segunda-feira, 28 de junho de 2010

O canhão de cerejeira


Em um reino distante cercado de montanhas e onde por mais que o sol nasça todas as manhãs o dia é sempre nublado, a terra era ruim e só o que se podia cultivar era o nabo. O ar espesso e pesado, a fumaça de fumo e pólvora que toma conta de todo lugar. Os habitantes desse reino feio eram pessoas feias com grandes mandíbulas e dentes que saltavam para fora da boca e tinham hábitos mais feios ainda. Elas não tomavam banho nem escovavam os dentes e seus enormes cabelos emaranhados estavam sempre sujos e fedendo.
Os povos do norte e do sul viviam há tanto tempo em guerra que já nem lembravam mais porque lutavam. Desde pequenas as crianças eram ensinadas a brigar, os mais velhos incitavam a ira nos mais novos e sempre que nascia uma menina o pai abotoava uma cara amarrada e colocava do lado de fora da uma bandeira preta. O que parecia ser uma diversão era ir a taberna à noite para jogar dardo ou beber até cair e mentir, mentir muito ao vangloriar a morte do inimigo. Logo alguém dizia: - Matei mil, outro porém respondia matei dois mil e outro gritava mais alto: Eu matei muito mais que você! E logo se instaurava a briga e a desordem que só acabava quando os tambores de batalha ressonavam chamando os guerreiros às fileiras.
Tanto o povo do sul quanto o povo do norte usavam as mesmas armas a centenas de anos. Pedra, pau, faca, lança, espada, catapultas e o que mais poder destruir o inimigo. Os campos de batalha viviam amontoado de corpos dilacerados apodrecendo ao relento aonde as aves vinham se alimentar.
Ninguém queria saber de estudar, cantar ou mesmo sorrir. Os homens viviam para guerrear e guerreavam para viver.
Certo dia o rei do norte mandou que seus engenheiros construíssem uma arma da mais dura cerejeira que ele havia sonhado. Com a boca tão grande que cuspiria fogo em cima do rei do sul subjugando a todos e anexando os reinos, ele seria então o maior de todos os monarcas. Essa arma nefasta arrasaria todo o reino do sul, como um dragão lançaria sobre os exércitos inimigo uma potente bala que explodiria em milhões de pedaços destruindo por completo o rei inimigo.
Em menos de três meses de trabalho duro e cansativo os engenheiros construíram a arma sonhada e o rei resolveu usá-la em seu 25 aniversário que seria em uma semana.
Por 3 dias os soldados empurraram aquela monstruosidade por vales, campos, rios e colinas até que chegaram a montanha mais alta do reino do norte.
Quando amanheceu o canhão estava devidamente instalado. O rei subiu com sua guarda pessoal, alquimista do reino abriu uma caixa contendo um pó escuro trazido de muito longe, a bala foi carregada por seis homens e então o rei acendeu a espoleta que imediatamente queimou até que em poucos segundos explodiu tudo em um raio de quilômetros devastando os dois exércitos.
No campo de batalha o canhão que era de madeira queimou em uma grande fogueira os poucos feridos que restaram vivos procuraram o rei e o encontraram caído em uma poça do seu próprio sangue e agonizando atrás de uma imensa pedra. Olhando para o céu disse: Olha! Olha o que essa máquina fez com conosco, imagina o que não fez com o inimigo! E morreu.
Lá embaixo nas duas aldeias dos dois reinos todos ouviram o som do canhão e acharam que ia chover e se recolheram. Não sobrou muito das duas aldeias; só restaram as mulheres tristes, muito tristes, os velhos, muito velhos e as crianças novas muito novas e as mulheres ensinaram a todos a cultivar a terra e a tomar banhos e assim os velhos morreram e as crianças cresceram.

Halexandre Lord

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